15/10/2014

Manoel de Barros - "O professor de agramática"



O professor de agramática

Descobri aos 13 anos que 
o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, 
mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, 
um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito
saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: 
Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da
vida um certo gosto por nadas…
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, 
não anda em estradas -
Pois 
é nos desvios que encontra as melhores
surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel 
foi o meu primeiro professor de agramática.


Notas pessoais:
Deve ser delicioso ter um certo gosto por nadas, por saber errar bem, e por toda vida, e rir-se disso.
Deve ser delicioso encontrar surpresas nos desvios, guardadas em segredo junto a ariticuns doces.
Deve ser delicioso ser escaleno e bugre pra saber dessas coisas, e rir dos sujeitos urbanos, que não sabem de nada de desvios, nem de frutas doces ocultas, nem de acertar errando.

Ariticuns é uma espécie dee  fruta-do-conde do cerrado que, madura, é muito doce.
Este poema foi enviado pela querida colega professora Susana Barbosa como homenagem aos professores colegas do Mackenzie. Retribuo com o mesmo carinho. 


E se riu.